"Quer queira, quer não, nossa presença é sempre uma promessa muda. Descia eu na frente pela escada de incêndio com duas mãos pequenas nos ombros e um hálito feliz me abraçando. A luz pifa de assalto, eu paro, você tromba em mim e ri forte. Como você quer descer escadas sem enxergar? - "Caminho em qualquer escuridão com seus ombros por perto, confio que você não vai me deixar cair". Tão perigosas metáforas, quanto seus beijos acidulantes de morango.
É bonito de se ver. A gente hoje se respira, se envolve feito leite e café, corremos na direção do outro sem medo de atravessar-se numa colisão violenta onde nenhum de nós desafia evitar. Eu quero me tornar no que te agrada, fazê-la de meu vento, e você me questiona sobre cores, filmes, texturas, lugares, cantores latinos, tamanhos, ritmos e sabores favoritos de pipoca.
O cinema espera, mal conseguimos vencer o trecho da rua, usamos o máximo de tempo cruzando uma distância percorrível em segundos, nos abraçando, trocando afagos, indo um contra o outro. Perto de seus olhos, eu vejo, parece, eu sinto, sou você. E você é eu. E esse querer é uma noite apaixonada de sexo com um dia seguinte, onde cada qual toma seu rumo. No melhor estilo Milan Kundera, nos amaremos para todo o sempre, até que uma manhã dessas, seja a seguinte.
Ninguém pode se apaixonar a não ser que se sinta solitário. É a desolação que inspira o calor. O amor vem do quente "que sorriso bonito" que você me disse. Já escutei a frase incontáveis vezes, realmente várias, mas nunca soprando tão açucarada. Nunca dita bem no meio do sorriso, ecoando a rua, me olhando e rebatendo um melhor ainda. Sorriso com os olhos, de quem gosta, de gente alegre. Como um jardim residencial de girassóis, um sorriso pra onde sempre quero voltar.
Assim como todo romance verdadeiro, construído sem perceber, a manhã seguinte ainda vai desanuviar, metaforicamente, amanhecendo a cada novo "alô, quem fala?", a cada palavra não dita, a cada pensamento reprisado, cada dia mais frio, como se entrássemos na cena derradeira sem nem perceber que era um filme, posto que é chama, nos fazendo presas fáceis do sofrimento, da decepção. Não adianta, vou desapontá-la. Um dia, vou deixar você cair. E você também vai. É assim.
Vamos espernear, trocar acusações, fungar, cobrar pelas promessas mudas com juros e correção, mas entender que todo amado é livre, se locomove nos próprios tornozelos e ombros sob um céu de baunilha. Por mais dentro um do outro que estejamos hoje, voltaremos a nos comunicar com a solidão. A música do John Mayer acaba, um chora água e o outro chora óleo, a manhã seguinte sempre chega.
Fatalmente vou despedir-me com beijo de olhos abertos e trabalhar ao leste, você dará um tchau com a boca meio torta de cansaço com hora marcada no sul. Zero a zero. Por mais que você tenha feito de tudo pelo amor, ele nunca deve nada para você. Dois anos, um mês, treze dias? Não sei, mas faria tudo outra vez: busca, encontro, carinhos, janta, solidão, partida, abraço e manhãs. Seguinte."
Gabito Nunes
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